quarta-feira, 12 de março de 2008

FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO: REFLEXOS E REFLEXÕES - Marivalde Moacir FRANCELIN(1) & Caio PELLEGATTI(2)

FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO: REFLEXOS E REFLEXÕES

Transinformação, Campinas, 16(2):123-132, maio/ago., 2004


ARTIGO

Filosofia da informação: reflexos e reflexões

Philosophy of information: indications and reflections

Marivalde Moacir FRANCELIN1

Caio PELLEGATTI2


R E S U M O


A Filosofia não pode restringir-se apenas à busca da verdade. A informação

não é apenas suporte para o conhecimento. O pensamento no século XXI,

encontra-se perante dilemas até então desconhecidos ou evitados. A sujeição

e a prova de “novos” pensamentos ocorrem através de crises e rupturas. O

processo de conhecer o conhecimento ou o de pensar o pensamento,

indubitavelmente foram, e são importantes etapas no desenvolvimento do total

conhecimento humano. Buscando-se a inserção e o entendimento da própria

informação relacionada a esses processos, o presente trabalho propõe uma

filosofia que pense essa informação, ou seja, uma Filosofia da Informação.

Palavras-chave: informação, filosofia, filosofia da informação, ciência da

informação, conhecimento, complexidade.


A B S T R A C T

Philosophy cannot restrict itself solely to the search for truth. Information Science

is not only a support. In the 21st. Century, thought finds itself before dilemmas

which had been ignored or unknown up to now. Subjection and testing of “new”

thoughts, occur through crises and ruptures. The processes of “getting to know”

the knowledge or “of thinking” the thought, undoubtedly have been, and are,

important stages in the development of what we understand as being the total

human knowledge. Seeking to understand and to insert the very information

related to those processes, the present article proposes a philosophy that will

reflect upon such information, namely, a Philosophy of Information.

Key words: information, philosophy, philosophy of information, information

science, knowledge, complexity.


I N T R O D U Ç Ã O

A informação sob o objeto informação

Abordando-se uma questão sobre

informação e conhecimento, pode-se relembrar

que informare significa dar forma a alguma coisa,

formar algo, alguma idéia. Incluiu-se em sua

definição o termo “dado” como necessário à

constituição de uma informação, assim como o

termo “comunicação”. Isso resume as relações

entre informação e conhecimento e seus componentes

em um ambiente histórico-comunicacional

(LE COADIC, 1996; McGARRY, 1999; PAIVA,

2002; ROBREDO, 2003). Recentemente,

incorporou-se, como necessário ao próprio significado

da palavra informação, o termo conhecimento,

trazendo maior nível de complexidade em

torno do próprio conceito de informação

(ARAÚJO, 2002; SILVA, 2003). Percepção,

representação, cognição, sentidos e sentimentos,

sensações e intuição agora podem fazer

parte dessa estrutura.

A esfera da informação é uma realidade

relativa que compreende o conjunto

dos acontecimentos que ocorrem no

mundo e formam o nosso meio

ambiente. Os acontecimentos são

tanto mais informativos quanto menos

previsíveis e portanto mais inesperados

(RODRIGUES, 1999, p.20).

Os conceitos se modificam de disciplina

para disciplina (Filosofia, Lingüística, Computação,

Educação, Sociologia, Biologia, Física,

Química, Matemática, Arqueologia). Saracevic

(1974, p.60) já dizia que “Numa disposição

formal, o fenômeno da informação é estudado

em muitas disciplinas diversas, confirmando

assim as ramificações complexas e muitas

manifestações a ele associadas”. Em tais

situações, as relações de informação vão do

suporte físico (papel) ao suporte biológico

(célula).

A informação apresenta-se-nos em

estruturas, formas, modelos, figuras;

em idéias e ídolos; em índices,

imagens e ícones; no comércio e na

mercadoria; em continuidade e

descontinuidade; em sinais, signos,

significantes e símbolos; em gestos,

posições e conteúdos; em freqüências,

entonações, ritmos e inflexões; em

presenças e ausências; em palavras,

em acções e em silêncios; em visões

e silogismos. É a organização da

própria variedade (WILDEN, 2000,

p.11).

Pode-se, nesse sentido, configurar distintos

contextos e fenômenos de informação que

dão um certo tipo de suporte a eventos conhecidos

como sociedades de informação

(WERTHEIN, 2000; BRENNAND, 2002),

sociedades, políticas e governos em rede

(HARRIS, 2002). Produção de conhecimento

“artificial” (SAN SEGUNDO MANUEL, 2003) e

auto-geração de informação (SILVA, 1996) são

campos de estudo que podem ser citados como

exemplos diante de perspectivas recentes.

A informação está por isso intimamente

associada à natureza relativamente

inexplicada e inexplicável dos fenômenos,ao facto de a razão humana não os conseguir dominar e de ocorrerem no mundo à nossa volta sem aviso prévio, fora do controlo e do

domínio da liberdade humana, de intervirem de maneira brutal e inesperada. As regras que regem a informação assemelham-se portanto

às leis da natureza: não dependem do

controlo da razão humana nem fazem

intervir a nossa liberdade de escolha.

O mecanismo que rege os fenômenos

que pertencem à esfera informativa é,

por isso, o do automatismo que

encontramos igualmente nos reflexos

condicionados (RODRIGUES, 1999, p.21).

Ambienta-se, por sua vez, no que agora

se pretende chamar de contextos e realidades

de informação, a informação como subsídio ao

desenvolvimento científico e tecnológico

(SANTOS, 2003). Por outro lado, a informação,

vista como mercadoria, dá origem ao denominado

“mercado” de informação, manifestando

desigualdades na própria conjuntura global de

produção de informação.

Informação e conhecimento estabelecem-

se na pós-modernidade por uma aparente

via de ruptura com o “mito” da razão moderna

(BRAGA, 1974; JAPIASSU, 1977). Surgem as

chamadas revoluções científicas e os “novos”

paradigmas para a ciência (KUHN, 2001). A

abertura para as relações disciplinares (interdisciplinaridade)

fornecem subsídios para o desenvolvimento

de teorias e metodologias sobre o

objeto informação (PINHEIRO, 1999). O

aprendizado sobre o conhecimento transformase

em possibilidades de desenvolvimento, tanto

filosófico como científico, ao pesquisador/

profissional da informação.

Nesse sentido, os conceitos sobre

informação parecem estar distantes de um certo

tipo de diminuição de complexidade. Pode-se

dizer que alguns estudos encontram-se em fase

inicial, porém, já indicam possibilidades em torno

das pesquisas em informação que vão além de,

por exemplo, análise de suportes. Assim, Floridi

(2002a; 2002b; 2004) indica um caminho

diferente e interessante ao propor uma Filosofia

da Informação3 (Philosophy of Information).

O que é Filosofia da Informação? (What

is the Philosophy of Information?) pergunta Floridi

(2002b) em um de seus textos sobre o tema. Na

realidade, sua proposta de pensar filosoficamente4

a informação parte de uma lógica informática

e computacional onde teorias semântica,

matemática e comunicacional apresentam-se

como fundamentos para sua análise.

Partindo-se de uma abordagem do texto

de Floridi (2002b) mencionado acima, tentar-

se-á analisar algumas questões sobre a

informação através do campo da Ciência da

Informação com o objetivo de propor a construção

de estruturas conceituais, teóricas e epistemológicas

múltiplas.

Isso talvez se justifique a partir da conscientização

de que as disciplinas científicas, ao

longo de seus desenvolvimentos, parecem buscar

aproximações conceituais além de suas fronteiras

epistemológicas. Essa característica

parece ser apontada como transgressora5. Nesse

sentido, configura-se como uma proposta, ou

seja, o pensamento transgressor parte de um

conjunto pré-elaborado de conceitos. Uma

estrutura conceitual disciplinar teria que acompanhar

mudanças no espaço e no tempo

científicos, significando a adoção de princípios

epistemológicos e metodológicos fundamentados

em paradigmas complexos.

A Filosofia da Informação

Luciano Floridi é professor de Lógica e

Epistemologia na Universidade de Bari (Itália) e

faz parte do departamento de Ciência da

Computação em Oxford (Inglaterra), onde também

coordena um grupo de pesquisa sobre ética

e informação. Tem partido da Filosofia para as

suas indagações em torno e no interior da

Sociedade da Informação modelada, em finais

do ano de 1990, pelo impacto (ainda em

processo) das Tecnologias da Informação e

Comunicação (TICs).

Segundo Floridi (2002b), pesquisas de

computação e informação teorética (theoretic)

em filosofia tornaram-se campo fértil e penetrante,

as quais revitalizam questões filosóficas

antigas, propõem novos problemas, e contribuem

para re-conceituar algumas visões sobre o

mundo, produzindo resultados interessantes e

importantes.

Neste caso, vários “rótulos” foram sugeridos

e utilizados para este novo campo, tais como:

filosofia cibernética (cyberphilosophy), filosofia

digital, filosofia computacional, filosofia de

Inteligência Artificial (IA), filosofia do artificial e

epistemologia artificial (FLORIDI, 2002b, p.2).

Analisando-se o processo histórico e conceitual

que levou ao aparecimento da Filosofia da

Informação, Floridi diz que a filosofia de

Inteligência Artificial era um paradigma prematuro

que, não obstante, abriu caminho para o

aparecimento da Filosofia da Informação.

A Filosofia da Informação evolui como um

estágio mais recente da dialética entre inovação

conceitual e a escolástica (doutrina da Idade

Média que tratava do problema da relação fé e

razão). É definida como um campo filosófico

preocupado com a investigação crítica, de

natureza conceitual e princípios básicos da

informação, incluindo sua dinâmica, utilização e

ciências, e a elaboração e aplicação da informação

teorética (theoretic) e metodologias computacionais

para a resolução de problemas filosóficos.

Como um novo campo de estudos destinase,

explicitamente, à interpretação clara e precisa

da pergunta “Qual é a natureza da informação?”

(What is the nature of information?), tentando

demonstrar sua “legitimidade” (FLORIDI, 2002b,

p.14). Segundo o autor, a Filosofia da Informação

pressupõe que um problema ou uma explicação

pode ser legitimamente e genuinamente reduzido

para um problema informacional.

Os filósofos começaram a endereçar

novos desafios intelectuais advindos do “mundo”

da informação e da sociedade da informação

(LEVY, 1999; 2000). Na perspectiva de Floridi, a

Filosofia da Informação tenta expandir a fronteira

da pesquisa filosófica, não colocando juntos

tópicos pré-existentes e, deste modo, reordenando

o cenário filosófico, incluindo novas áreas

de investigação filosófica. Nesse caso, a Filosofia

da Informação tem lutado para ser reconhecida,

porém, ainda não encontrou lugar no programa

filosófico tradicional. A partir disso, Floridi

pergunta: já é hora de estabelecer a Filosofia da

Informação como um campo de estudos maduro?

A resposta pode ser afirmativa, pois, entendese

que cultura e sociedade e os processos de

desenvolvimento filosófico contribuíram e

continuam a contribuir para isso. Entretanto,

pergunta novamente Floridi: que tipo de Filosofia

da Informação se espera desenvolver? A resposta

para esta questão parece pressupor uma visão

clara da posição da Filosofia da Informação na

história do pensamento, uma visão provavelmente

obtida, paradoxalmente, somente a posteriori.

Portanto, segundo Floridi (2002b), a

Filosofia da Informação possui, mesmo para a

Filosofia, um extraordinário vocabulário conceitual.

Isso porque pode-se contar com

conceitos informacionais sempre que um

entendimento completo de uma série de eventos

está indisponível ou torna-se desnecessário para

prover uma certa explicação. Em Filosofia isso

significa que, virtualmente, qualquer assunto

pode ser reformulado em termos informacionais.

Essa capacidade semântica é uma das

vantagens, segundo Floridi, da Filosofia da

Informação entendida como uma metodologia,

mostrando que se está diante de um certo tipo

de paradigma abrangente, inteligível e descritível

em termos de uma filosofia informacional.

Tansgredindo: caminhos/descaminhos

para uma Filosofia da Informação

Parte-se da idéia de que a Filosofia é uma

expressão organizada, em um campo de estudo,

dos primeiros questionamentos do ser humano

no Ocidente sobre a origem das coisas e,

depois, sobre a origem do conhecimento. Mais

de vinte e cinco séculos se passaram desde

Tales e o ser humano ainda continua a interrogar-

-se. A produção e a reprodução do

conhecimento, a força da ciência e a criação

das comunidades científicas, o desenvolvimento

dos experimentos científicos e a chegada das

tecnologias de infor-mação, marcam, de alguma

maneira, a história do conhecimento humano.

Essa história inicia-se pela oralidade, passa ao

manuscrito, depois à impressão e chega à

virtualidade.

Todo campo, o campo científico por

exemplo, é um campo de forças e um

campo de lutas para conservar ou

transformar esse campo de forças.

Pode-se, num primeiro momento,

descrever um espaço científico ou um

espaço religioso como um mundo

físico, comportando as relações de

força, as relações de dominação. Os

agentes – por exemplo, as empresas

no caso do campo econômico – criam

o espaço, e o espaço só existe (de

alguma maneira) pelos agentes que

aí se encontram. Uma grande empresa

deforma todo o espaço econômico

conferindo-lhe uma certa estrutura. No

campo científico, Einstein, tal como

uma grande empresa, deformou todo

o espaço em torno de si. Essa metáfora

‘einsteiniana’ a propósito do próprio

Einstein significa que não há físico,

pequeno ou grande, em Brioude ou em

Harvard que (independentemente de

qualquer contato direto, de qualquer

interação) não tenha sido tocado,

perturbado, marginalizado pela

intervenção de Einstein, tanto quanto

um grande estabelecimento que, ao

baixar seus preços, lança fora do

espaço econômico toda uma população

de pequenos empresários

(BOURDIEU, 2004, p.22-23).

Na pós-modernidade as instituições se

multiplicam em veículos de comunicação e

transmissão de informações. O desenvolvimento

tecnológico continua a transformar o mundo. Os

pensadores já se antecipam em pensar essa

tecnologia e seus impactos, agora é necessário

não apenas pensar a informação que está sendo

veiculada e transmitida, mas também a informação

que está sendo apropriada e as influências

internas e externas ao ser cognoscente.

Assim, a Filosofia da Informação busca

analisar os mais variados assuntos que estejam

relacionados à informação. A Filosofia da

Informação se preocupa menos em discutir as

ferramentas e as operações que dão suporte à

informação do que as relações entre o ser

humano e a informação. O ambiente de estudo

da Filosofia da Informação é o próprio ambiente

do ser humano. Nesse ambiente encontra-se a

informação. A realidade humana é que possibilita

a constituição da informação e sua veiculação.

É nessa realidade que serão analisadas e

pensadas as formas de trânsito da informação.

O método de estudo da Filosofia da

Informação é relacional, ou seja, baseia-se na

complexidade do pensamento e do cotidiano

humanos. O objeto de estudo da Filosofia da

Informação é a informação “liberta”. O que poderia

ser uma informação liberta? É aquela que não

está presa a um domínio, que não é dominada.

E o que é uma informação dominada? Seria

aquilo que se sabe que é uma informação em

condições de ser manipulada. A informação

“liberta” seria o oposto, estaria fora do controle

humano, mas não de sua percepção. Analogamente,

Bourdieu (2004, p.21) diz que:

Em outras palavras, é preciso escapar

à alternativa da ‘ciência pura’, totalmente

livre de qualquer necessidade

social, e da ‘ciência escrava’, sujeita a

todas as demandas políticos-econômicas.

O campo científico é um mundo

social e, como tal, faz imposições,

solicitações etc., que são, no entanto,

relativamente independentes das

pressões do mundo social global que

o envolve.

É nesse ambiente que a Filosofia da

Informação irá estudar e pensar a informação6.

Um universo de representação, além do paradigma,

no qual se justifica os conceitos de

informação, pois, como já o disse Foskett (1980,

p.20), “Um paradigma se baseia, de fato, em

informação [...]”.

De certa maneira, porém, o conceito de

paradigma parece se fechar em si mesmo no

momento em que diz o que é um paradigma.

Essa estrutura fechada não ajuda muito ao se

discutir qual o paradigma necessário ao

desenvolvimento do conhecimento. A informação

encontra-se no centro de uma discussão ou há

uma discussão em seu centro em torno de uma

suposta necessidade paradigmática. A desmistificação

desse paradigma seria a porta de entrada

para o desenvolvimento do pensamento em

Filosofia da Informação.

Parecem ser longas as revisões sobre a

teoria kuhniana nesse sentido (por exemplo, em

Ciência da Informação, Nehmy (1996) e Eugênio,

França e Perez (1996). Mais longa ainda é a

verbalização sobre a necessidade de identificação

e definição de “paradigmas”. Isso não

significa que seja um modismo. Talvez, haja

realmente a necessidade de um encontro

paradigmático em informação. Mas, como fazer

para localizar essa referência? Sabe-se que a

informação é um rico objeto de estudo, não

podendo, por outro lado, ser reduzida a um único

paradigma.

A informação é em si ambivalente, tanto

em quem a pronuncia quanto em

quem a recebe. Em todos os momentos

passa pelo filtro da subjetividade,

além de sua dimensão estar limitada

pelo aparato perceptor e conceitualizador.

Mas é esta ambivalência que

resgata sempre a possibilidade de

criar, inventar. Se tudo fosse apenas

lógico, seria apenas repetitivo. O mundo

da informação é agitado, conturbado,

porque é, ao mesmo tempo, intrinsecamente

manipulado e impossível

de ser totalmente manipulado (DEMO,

2000, p.41).

Assim, ao invés de um único paradigma,

encontrar-se-iam vários paradigmas relacionados

como eventos constitutivos da própria informação.

Essa informação não poderia passar por

nenhum tipo de processo determinista, visto que

seria o seu inverso que proporcionaria o desenvolvimento

dessa estrutura paradigmática

plurifacetada.

A previsão de irracionalismos reinantes

levando ao aniquilamento do homem biológico

dotado de sentimentos e o transformando em

uma máquina insensível e despersonalizada não

é recente e já não espanta. O ser humano

incorporou ao seu cotidiano o fundamento

informacional. Consciente ou inconscientemente

transita pelo espaço da informação.

Pode ser que o entendimento desvela-se

a partir de um conjunto de eventos cotidianos

que estimulam e alimentam a racionalidade. O

conhecimento do senso comum, da experiência

sensível e do experimento, de maneira alguma

limitam-se às redomas teóricas ou práticas. Há

tempos que teoria e prática deixaram de habitar

universos diferentes e isolados. O poder do

conhecimento está no mais ínfimo fragmento

como em seu conjunto. Porém, isso apenas é

possível a partir da compreensão de que entre

fragmento e conjunto há o espaço relacional,

alterando-se constantemente, confundindo e, até

mesmo, significando a mesma coisa: a coisa

sem sentido.

O contexto e a Filosofia da Informação

O título de um dos ensaios de Karl Popper

é “O mito do contexto” que também dá nome ao

livro do qual faz parte (POPPER, 1999). Nele,

Popper reflete sobre o contexto que representa

consenso. Decididamente refuta essa idéia

(POPPER, 1999, p.57), pois, não acredita que

haja desenvolvimento de conhecimento racional

num ambiente que comporte uniformidade de

idéias.

Não acredito na teoria corrente segundo

a qual, para tornarem uma discussão

fecunda, os opositores têm de

ter muita coisa em comum. Pelo

contrário, creio que quanto mais

diferem os seus backgrounds, mais

fecunda é a argumentação. Não há

sequer necessidade de uma linguagem

comum para se começar: se não

tivesse havido uma torre de Babel,

teríamos tido de construir uma. A

diversidade torna a discussão crítica

fecunda (POPPER, 1987, p.40).

E continua, um pouco mais adiante,

afirmando que:

Não tenho, pois, qualquer fé na

precisão: sou de opinião que a

simplicidade e a clareza são valores

em si mesmos, mas não de que a

precisão ou ‘exactidão’ seja um valor

em si mesma. A clareza e a precisão

são aspirações diferentes e, por vezes,

até incompatíveis. Não acredito naquilo

a que frequentemente se chama uma

‘terminologia exacta’: não acredito em

definições, e não acredito que as

definições aumentem a exactidão; e

detesto especialmente as terminologias

pretensiosas e a pseudo-

-exactidão que lhes corresponde

(POPPER, 1987, p.41).

As discussões em torno das idéias de

Popper já são suficientemente disseminadas e

conhecidas (em Ciência da Informação com

Miranda (2002) e Robredo (2003), por exemplo),

porém, cabe o registro: um sistema onde

prevalece a igualdade de pensamentos, só o faz

por subordinação e autoritarismo – para controle.

Pinker (2004), retomando a crítica à “tabula rasa”

(o ser humano nasce sem nenhum tipo de

informação – uma folha em branco; o meio é o

responsável pela sua formação e atitudes),

fornece um conjunto de argumentos sobre a

predisposição humana (através de mecanismos

cerebrais, por exemplo) à informação, ou seja, a

informação da informação. Em paradoxo, Demo

(2000) diz que “O problema da informação

manipulada, contudo, não deveria nos perturbar

em demasia, porque lhe faz parte” (DEMO, 2000,

p.40).

Nessa situação, o contexto pode até

deixar de ser um mito. Eis aqui um dos preceitos

modernos que talvez tenha sido desenvolvido e

aprimorado na tentativa de manter uma uniformização

ou padronização dos sentidos. A menção,

feita por Popper (1999), ao “mito do contexto”

pode possuir significado distinto. O que se está

tratando aqui não são apenas as características

particulares para o desenvolvimento do conhecimento,

mas, o condicionamento quase global

de um certo tipo de conhecimento que, na

realidade, é informação.

Por outro lado, não há como estabelecer

marcos conceituais e muito menos históricos

precisos. Koyré (1991) esclarece que:

A história não opera através de saltos

bruscos; e as divisões nítidas em

períodos e épocas só existem nos

manuais escolares. Desde que se

comece a examinar as coisas um

pouco mais de perto, desaparecem as

fronteiras que se acreditava perceber

anteriormente; os contornos se

desfazem e uma série de gradações

insensíveis nos levam de Francis

Bacon a seu homônimo do século XIII,

e os trabalhos dos historiadores e

eruditos do século XX nos fizeram ver,

passo a passo, um homem moderno

em Roger Bacon e um retardado em

seu célebre homônimo; ‘recolocaram’

Descartes na tradição escolástica e

consideraram que o início da filosofia

moderna se situa em Santo Tomás.

Em geral, o termo ‘moderno’ tem algum

sentido? Somos sempre modernos,

em qualquer época, quando

pensamos mais ou menos como

nossos contemporâneos e de modo

um pouco diferente do dos nossos

mestres... Nos moderni, já dizia Roger

Bacon... (KOYRÉ, 1991, p.15).

Pode ser que este seja um problema de

contexto ou de um perspectivismo inflexível e,

até mesmo injusto, porém, ressalva-se a

importância de marcos temporais às visões

panorâmicas. Mesmo porque, esse é um ponto

de confusão sobre a pós-modernidade, pois, ela

propicia a convivência e possíveis relações de

pensamentos, mesmo os mais dogmáticos,

desde que se proponham à transformação e à

mudança em seus princípios de Domínio e de

Racionalidade.

Oportunamente, Koyré (1991) aborda o

período moderno em um quase paradoxo com o

termo “moderno”, o que possibilita modernidades

(termo) na pós-modernidade (período). Parece

também que a prudência, ao contrário do que se

pensa, está em conformidade com o conhecimento

na pós-modernidade (SANTOS, 2004). A

maturidade pós-moderna explicita-se na passagem

dos debates conceituais ao desenvolvimento

e aprofundamento de suas teorias. Esse

abandono de superfície aponta para uma possível

consolidação conceitual provisória que, justificada

a ambigüidade como necessária, se distancia

dos remanescentes projetos neo-modernos.

Dessa maneira, o comportamento da

informação parece inteligível e, ao mesmo

tempo, ininteligível. É enigmático o processo

informacional visto dessa forma. Como imaginar

a informação se auto-construindo, se auto-gerando,

se auto-organizando e se auto-destruindo

(des-construindo) sem o domínio e o controle

humanos? O que se chama de “novos paradigmas”,

“revoluções paradigmáticas”, “revoluções

científicas”, “ciências novas”, “sociedade

pós-industrial”, “sociedade do conhecimento”,

“sociedade da informação”, “sociedade de

consumo”, “sociedade pós-moderna”, acabaram

por tornar-se respostas possíveis às suas

próprias indagações.

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

O principal objetivo desse texto foi o de

mostrar possibilidades de parcerias disciplinares

e não o de dissecar essas disciplinas. Concorda-

se que talvez a informação não seja objeto

exclusivo da Ciência da Informação, porém,

alerta-se para o fato de uma idéia como essa

poder portar um caráter ambíguo: pode tanto

causar estímulos a uma pesquisa consciente e

produtiva como pode ser o paradoxal “combustível”

à morosidade e ao comodismo.

Como objeto “mutante”, a informação em

sua pluralidade conceitual está à espera de uma

abordagem filosófica que possa contribuir para

a revisão e constituição de teorias no campo da

Ciência da Informação. O pensamento filosófico,

como aqui está sendo abordado e entendido,

consiste em um grande desafio que envolve a

FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO: REFLEXOS E REFLEXÕES

Transinformação, Campinas, 16(2):123-132, maio/ago., 2004

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construção de teorias em conformidade com a

des-construção de outras teorias.

Ora, nem o conhecimento filosófico nem

o científico constituíram-se única e exclusivamente

por uma vontade racional e consciente

de produção de conhecimento à sociedade.

Angústia, inveja, ganância, orgulho, vaidade e

raiva podem estar na base de muita ciência e de

muita filosofia já desenvolvidas. A Filosofia da

Informação não se constitui como método da

verdade, mas da dúvida. Postura que contempla

uma realidade apropriada pelo ser humano, na

qual o conhecimento tenta ser conhecimento e

a ciência tenta ser ciência.

Pensar a informação para a geração de

conhecimento sobre a própria informação. Pensar

as suas relações. Pensar a informação em seus

múltiplos e paradoxais modos de apresentação.

Pensar a informação que não se apresenta, que

parece estar na obscuridade, que parece estar

perdida, que parece que não é informação.

Pensar o que é, o que não é e o que pode ou

não ser informação. Pensar o por que é e o por

que não é informação, o por que pode ou não

pode ser informação e assim por diante. Enfim,

pensar a informação, não importando, paradoxalmente,

em que contexto e em qual situação ela

se encontre.

1 Mestre em Biblioteconomia e Ciência da Informação, PUC–Campinas. Docente, Departamento de Direito e Departamento

Economia e Administração, Anhanguera Ensino Superior, Faculdades de Valinhos. Av. Invernada, 595, Vera Cruz,

13271-450, Valinhos, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.M. FRANCELIM. E-mail: mfrancelin@yahoo.com.br

2 Matemático, Analista de Sistemas Senior – BIBNET (Bibliotecas Digitais). Mestrando, Curso de Biblioteconomia e Ciência da

Informação, PUC–Campinas. E-mail: caio@aleph-exlibris.com.br

Recebido em 29/9/2004 e aceito para publicação em 10/9/2004.

3 Lembrar porém, que Ilharco (2003) publicou, em português, o livro Filosofia da Informação e Mostafa (1985) já havia dito que

a “[...] Ciência da Informação não pode prescindir de uma filosofia da informação, todavia a filosofia da informação não pode

ficar acima da ciência da informação porque aí estaríamos na dicotomia kantiana entre razão teorética e razão prática”

(MOSTAFA, 1985, p.117).

4 O que se está tentando abordar, neste momento, não é a Filosofia, mas, a Filosofia da. Este ponto é importante, pois, segundo

Ferrater Mora (1982), “[...] cada sistema filosófico pode valer uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também

acerca do que representa a actividade filosófica para a vida humana” (FERRATER MORA, 1982, p.160). Isto conduz a

supor-se que a Filosofia da Informação pode compor-se como uma dessas respostas.

5 Ressalta-se que o sentido utilizado para o termo transgressão tenta caracterizar algo que está além do tradicionalmente aceito,

que transforma não pela violência nem pela força, mas pela abertura ao diálogo entre campos distintos do conhecimento.

M.M. FRANCELIN & C. PELLEGATTI

Transinformação, Campinas, 16(2):123-132, maio/ago., 2004

6 O objetivo de “pensar a informação” não compartilha o interesse de se tentar corrigir supostos “desvios” conceituais,

importações de termos inoportunos ou algo parecido.

R E F E R Ê N C I A S

ARAÚJO, E.A. O fenômeno informacional na Ciência

da Informação: abordagem teórico-conceitual. In:

CASTRO, C.A. (Org.). Ciência da Informação e

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EDUFMA/EDFAMA, 2002.

BRENNAND, E.G.G. Uma nova política de

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M.A. (Org.). O campo da Ciência da Informação:

gênese, conexões e especificidades. João Pessoa:

Editora Universitária UFPB, 2002.

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma

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